terça-feira, 31 de março de 2015

COMO É CALCULADO A INDENIZAÇÃO POR ACIDENTES AÉREOS

O terrível e chocante custo humano do desastre do voo 4U9525 da Germanwings, que caiu nos Alpes franceses em 24MAR2015, é fácil de determinar: 150 pessoas mortas, mas muito mais difícil de estimar é o efeito sobre as famílias das vítimas que perderam seus entes queridos na tragédia.

Investigadores afirmaram que o copiloto Andreas Lubitz, suspeito de ter deliberadamente provocado o acidente, escondeu informações sobre seu estado de saúde e teria recebido tratamento para tendências suicidas no passado.

Mas uma companhia aérea é legalmente obrigada a compensar as famílias das vítimas? E um eventual problema mental sofrido pelo copiloto pode interferir no momento das indenizações a serem pagas?

A resposta a ambas as perguntas parece ser sim, segundo advogados especializados em assuntos relativos à aviação.

Segundo as regras da aviação sobre a morte de passageiros, existe uma determinada quantidade de dinheiro que a companhia aérea deverá pagar, se a família consegue provar que sofreu um dano econômico, de acordo com o advogado Jim Morris, sócio da Irwin Mitchell.

Morris, que se especializou como representante de vítimas e de suas famílias em desastres aéreos, disse que há um conjunto de regras ─ a convenção de Montreal ─ que esclarece o valor das indenizações que familiares podem reclamar à Justiça.

Números específicos
Para começar, a companhia aérea deve pagar 113 mil Direitos Especiais de Giro (DEGs) ─ uma forma de dinheiro internacional – valor equivalente a US$ 156 mil (R$ 504 mil) por passageiro ─ se a família conseguir provar o impacto do dano econômico.

Em outras palavras, se a perda de renda ocasionada pela interrupção brusca da vida da vítima for de pelo menos US$ 156 mil (R$ 504 mil), a companhia aérea deve pagar a quantia imediatamente, sem recorrer a um advogado.

No caso de uma morte, a empresa também deverá pagar 16 mil DEGs, valor equivalente a US$ 22 mil (R$ 71 mil) às famílias das vítimas.

Na hipótese de que todos os familiares reivindiquem o valor de US$ 156 mil (R$ 504 mil), a Germanwings, e sua empresa-mãe, Lufthansa, teria de desembolsar algo em torno de US$ 30 milhões (R$ 97 milhões).

Mas a Lufthansa, e em última análise as seguradoras – incluindo a gigante Allianz – possivelmente terão de pagar uma conta maior do que essa, argumenta Morris.

Negligência
Se a família da vítima conseguir provar que sofreu perdas econômicas superiores a 113 mil DEGs, cabe a companhia aérea atestar que não foi negligente ou pagar a quantia exigida. Na opinião de Morris, nesse caso, a Germanwings teria dificuldade em provar que seu copiloto, Andreas Lubitz, não foi negligente.

"O dever da companhia era assegurar que sua equipe seria capaz de pilotar um avião", disse ele. E esse critério inclui a saúde mental de Lubitz, nota.

"Aparentemente por causa desse problema um empregado da companhia bateu deliberadamente o avião contra uma montanha. Do ponto de vista da companhia aérea, ficaria surpreso se eles negassem suas responsabilidades. Tudo o que as famílias têm de fazer é provar o valor econômico da perda", observou o advogado.

E esse montante "seria significativo", acrescentou. Nesse caso, Morris nota que o custo total do pagamento de uma indenização para os familiares das vítimas poderia superar US$ 150 milhões (R$ 484 milhões).

Variação
No entanto, segundo o professor alemão Elmar Giemulla, também especialista em indenizações, é "muito difícil" estabelecer um valor global para a remuneração a ser paga pelas empresas em tragédias como essas.

Para Giemulla, o local de onde as familiares optarem por reivindicar a indenização poderia alterar radicalmente o montante do valor a ser pago. Isso porque, explica, o entendimento legal varia de acordo com o país. No Reino Unido e na Alemanha, por exemplo, os chamados danos morais não poderiam ser reivindicados em um acidente como o da Germanwings.

"Qualquer um que perde um filho ou um companheiro nessas condições está completamente fragilizado. Mas na Alemanha não há nenhuma obrigação legal para o dano moral", disse Giemulla à BBC.

O especialista esclarece que, nesses países, a Justiça leva em consideração apenas a perda financeira. Como resultado, famílias com crianças que tenham morrido no acidente tendem a receber indenizações menores.

"Em teoria, não há praticamente compensação para um bebê", acrescentou.

Dor
No entanto, nos Estados Unidos, as famílias das vítimas têm a opção de reivindicar uma indenização pela dor causada.

"Nos EUA, a indenização tenta compensar não só a perda do familiar, mas também a vida que aquele indivíduo poderia ter", explica.

O voo da Germanwings, que partiu de Barcelona, na Espanha, com destino a Düsseldorf, na Alemanha, transportava 144 passageiros e seis tripulantes. A maioria era de nacionalidade alemã e espanhola, mas também havia cidadãos da Colômbia, México, Argentina, Venezuela, Reino Unido, Estados Unidos, Holanda, Japão, Dinamarca e Israel.

No entanto, talvez o interesse da Lufthansa não seja contestar as indenizações ou tentar reduzi-las, diz Giemulla.

"A Lufthansa deveria pagar além de suas obrigações legais. Eles não tem interesse de manchar sua reputação", supõe.

Silêncio
Muitos escritórios de advocacia que representam companhias aéreas no Reino Unido se recusaram a falar com a reportagem da BBC sobre questões de responsabilidade em caso de acidentes como o da Germanwings.

Mas, no último final de semana, a Lufthansa informou que pagaria pelo menos US$ 54 mil (R$ 174 mil) por vítima e que o pagamento não afetaria indenizações futuras.
"Em apoio à Germanwings, a Lufthansa vai cobrir as despesas ocasionadas por este trágico acidente, fazendo um adiantamento de até US$ 54 mil (R$ 174 mil) por passageiro", disse um porta-voz da Germanwings à BBC.

O próprio presidente da Lufthansa, Carsten Spohr, disse que a companhia aérea tem os meios e a intenção de tratar as famílias da forma mais justa.

"Poderemos responder por obrigações financeiras. Nossa prioridade é ajudar às famílias em tudo o que pudermos", disse Spohr.